domingo, 14 de dezembro de 2008

Os Riscos Ocultos da Epidural - Parte 2

Medicamentos e toxicidade
Qualquer medicamento que a mãe receba durante o trabalho de parto vai passar, através da placenta, para o seu bebé, que está muito mais vulnerável a efeitos tóxicos. Os efeitos máximos ocorrerão provavelmente no nascimento e nas horas imediatamente a seguir, altura em que os níveis de medicação são mais elevados. Há alguns estudos sobre a condição dos bebés de epidural por ocasião do nascimento, e quase todos eles comparam bebés nascidos depois de epidurais, com bebés nascidos depois de expostos aos efeitos de medicamentos opiáceos, conhecidos por causarem sonolência e dificuldades respiratórias. Estes estudos revelam pouca diferença entre bebés de epidural e bebés de analgesia não epidural (normalmente expostos a opiáceos), em termos de índice de Apgar e pH do cordão umbilical, reflectindo estes factores a condição de saúde do bebé ao nascer. No entanto, um estudo com uma larga amostra de população na Suécia revelou que o uso de uma epidural estava associado, de forma significativa, com um baixo índice de Apgar ao nascer. Há ainda conhecimento de intoxicação medicamentosa de recém-nascidos devido a medicamentos epidurais, em especial opiáceos administrados por via epidural. A toxicidade por opiáceos no recém-nascido parece mais provável em regimes de elevadas dosagens, incluindo aqueles em que a mãe pode receber doses extra a pedido, contudo, há diferenças notáveis de sensibilidade de recém-nascido para recém-nascido. É importante salientar que a capacidade de um recém-nascido para processar e excretar medicamentos é muito inferior à de um adulto. Por exemplo, a semi-vida (tempo necessário para reduzir a metade os níveis de um medicamento no sangue) para o anestésico local bupivacaína (Marcaína) é de 8.1 horas, no recém-nascido, comparadas com as 2.7 horas na mãe. Para além disto, os níveis de um medicamento no sangue podem não reflectir de forma muito precisa os níveis tóxicos absorvidos, uma vez que os medicamentos podem passar da corrente sanguínea e armazenar-se nos tecidos do recém-nascido, como o cérebro e fígado, pontos a partir dos quais aqueles são libertados muito mais lentamente.Um estudo recente também revelou uma maior incidência de icterícia em bebés expostos a epidural. Este resultado pode estar relacionado com o aumento de partos instrumentalizados ou com o aumento do uso de pitocina.

Efeitos neurocomportamentais
São controversos os efeitos dos medicamentos epidurais no comportamento neurológico do recém-nascido (comportamento que reflecte o estado do cérebro). Estudos mais antigos, comparando bebés expostos a epidurais com bebés cujas mães não receberam qualquer medicamento, revelaram efeitos significativos a nível neurocomportamental, enquanto descobertas mais recentes com base em amostragens aleatórias controladas (que, como é referido, comparam recém-nascidos expostos a epidurais e opiáceos) não revelaram diferenças. Contudo, estes estudos mais antigos também usaram o Índice de Avaliação de Comportamento Neonatal de Brazelton (IACN, criado por pediatras), mais polivalente e difícil de aplicar, enquanto testes mais recentes usaram procedimentos menos complexos, em particular o Índice de Capacidade Neurológica e Adaptativa (ICNA, criado por anestesistas), que resume todos os dados a um único número e que foi criticado como insensível e falível. Por exemplo, todos os três estudos comparando bebés expostos a epidural com bebés não medicados, e usando o IACN, encontraram diferenças significativas entre os grupos: Ann Murray et al. compararam 15 bebés não medicados com 40 bebés de epidural e descobriram que os bebés expostos a epidural continuavam com um baixo índice IACN aos cinco dias, com especial dificuldade em controlar o seu estado. Vinte bebés cujas mães tinham recebido tanto oxitocina como epidural apresentavam índices IACN ainda mais baixos, o que pode ser explicado pela maior incidência de icterícia. Num mês, as mães de epidural consideraram que os seus bebés “manifestavam um comportamento menos adaptável, mais intenso e mais entediado. Estas diferenças não encontraram explicação em partos mais difíceis e nas subsequentes separações entre mães e bebés associadas às epidurais. Carol Sepkoski et al. compararam 20 bebés de epidural com 20 bebés não medicados, e descobriram um estado de alerta mais limitado e uma menor capacidade de orientação ao longo do primeiro mês de vida. As mães de epidural passaram menos tempo com os seus bebés no hospital, de forma directamente proporcional à dose total de bupivacaína administrada. Deborah Rosenblatt et al. submeteram bebés a testes ao longo de seis semanas, usando o IACN, e constataram uma depressão máxima no primeiro dia. Apesar de se ter verificado alguma recuperação, aos três dias os bebés de epidural continuavam a chorar mais facilmente e com mais frequência. Alguns aspectos deste problema (“controlo de estado”) mantiveram-se ao longo das seis semanas. Apesar destes estudos mais antigos terem por base o uso de epidurais convencionais, a dose total de bupivacaína administrada às mães (neste estudo, doses médias de 61.6mg,93 112.7 mg,94 e 119.8 mg,95 respectivamente) era perfeitamente comparável aos estudos mais recentes compreendendo baixas dosagens (por exemplo, 67.5 mg,96 91.1 mg,97 e 101.1 mg98).Estes estudos neurocompotamentais chamam a atenção para o possível impacto das epidurais nos recém-nascidos e na relação mãe/criança. Nas suas conclusões, os investigadores manifestam preocupação com “a importância dos primeiros confrontos com um bebé desorganizado, no modelar das expectativas maternas e de estilos interactivos."

Estudos em Animais
Estudos em animais sugerem que o desequilíbrio hormonal materno causado pelas epidurais, conforme atrás descrito, pode contribuir também para algumas dificuldades materno-infantis. Investigadores que administraram epidurais a ovelhas em trabalho de parto descobriram que as ovelhas submetidas a esta forma de analgesia tinham dificuldade em estabelecer ligação com as suas crias, sobretudo no caso das que pariam pela primeira vez, com uma epidural administrada logo no início do trabalho de parto. Não há estudos de longo prazo sobre os efeitos da analgesia epidural na descendência humana que a ela se sujeitou. No entanto, estudos em alguns animais nossos parentes próximos são motivo para preocupação. M. S. Golub et al. administraram bupavacaína por via epidural a macacas-rhesus, grávidas de termo, e acompanharam o desenvolvimento das suas crias até aos 12 meses de idade (o equivalente aos quatro anos em humanos). Os investigadores descobriram que os marcos de desenvolvimento nestes macacos se apresentavam alterados: entre as seis e as oito semanas mostravam-se atrasados no início da manipulação, e aos dez meses o aumento de “comportamentos de perturbação motora”, que são normais, apresentava-se prolongado no tempo. O autor conclui: “Estes efeitos podem ter ficado a dever-se a incidências sobre processos num cérebro ainda vulnerável, durante um período mais sensível; a interferência com a programação do desenvolvimento do cérebro por agentes exógenos [externos]; ou a perturbações em experiências precoces."

Amamentação
Como acontece na esfera neurocomportamental, os efeitos na amamentação carecem de estudos, e recentes amostragens aleatórias controladas, comparando a exposição à epidural e a medicamentos opiáceos, revelam-se muito falíveis, uma vez que os opiáceos têm um efeito negativo sobejamente reconhecido nas primeiras reacções à amamentação e no êxito da mesma. As epidurais podem afectar a experiência e o êxito da amamentação por meio de diversos mecanismos. Primeiro, o bebé exposto à epidural pode apresentar anomalias neurocomportamentais causadas pela exposição ao medicamento, que provavelmente atingirá o seu ponto máximo nas horas que se seguem ao nascimento, um momento fundamental para o início da amamentação. Uma pesquisa recente descobriu (de forma muito óbvia) que quanto melhor é o desempenho neurocomportamental do recém-nascido, melhor é também o seu desempenho na amamentação. Num outro estudo, a aptidão do bebé para mamar, medida de acordo com o Instrumento de Avaliação da Amamentação na Criança (IAAC), era mais alta entre bebés não medicados e mais baixa em bebés expostos à epidural ou a opiáceos IV, e ainda mais baixa em bebés expostos às duas formas de analgesia. Crianças com os mais baixos desempenhos eram desmamadas mais cedo, embora, em todo o caso, um número semelhante em todos os grupos fosse amamentado às seis semanas. Num outro trabalho de investigação, bebés expostos a analgesias epidurais e raquidianas apresentavam maiores probabilidades de perder peso no hospital, o que pode ser revelador de uma baixa eficiência a mamar. Outro trabalho de investigação sugeriu que o comportamento do recém-nascido face à amamentação e os níveis alcançados com o IAAC podem revelar-se normais quando é usada uma epidural de dose ultra baixa, embora, também neste estudo, os bebés com mais elevados níveis de medicação apresentassem níveis de desempenho neurocomportamental (IAAC) mais baixos, às duas horas de vida. Em segundo lugar, as epidurais podem afectar a mãe recente, tornando a amamentação mais difícil. Isto é mais provável se ela passou por um trabalho de parto prolongado, por um parto instrumentalizado, ou pela separação do seu bebé - situações mais prováveis na sequência de uma epidural. O desequilíbrio hormonal pode também ter a sua relevância, sendo a oxitocina a hormona mais importante da amamentação.Um estudo descobriu que os bebés nascidos depois de epidurais têm menos probabilidades de serem amamentados em exclusivo aquando da alta hospitalar; este era um risco de maior relevância para as mãe com epidural cujos bebés não foram postos a mamar durante a primeira hora após o nascimento. Um estudo finlandês indica que 67 por cento das mulheres que tiveram o seu trabalho de parto sob o efeito de uma epidural referiram o aleitamento artificial exclusivo ou como suplemento nas primeiras 12 semanas, comparadas com 29 por cento das mães sem epidural; as mães com epidural também referem com maior probabilidade “não terem leite suficiente” Dois grupos de investigadores suecos debruçaram-se sobre o subtil mas complexo comportamento de recém-nascidos não medicados, face à amamentação e pré-amamentação. Um grupo registou que, quando colocado pele-com-pele no peito da mãe, um recém-nascido é capaz de rastejar, encontrar o mamilo e fazer a pega. Recém-nascidos afectados por medicamentos opiáceos durante o parto, ou separados das mães por um momento, depois do nascimento, perdem grande parte desta aptidão. O outro grupo sueco descobriu que os recém-nascidos expostos a analgesia de parto (sobretudo opiáceos, mas também algumas epidurais) se apresentavam também desorganizados no seu comportamento pré-amamentação: “esfregavam e lambiam o mamilo e chuchavam na mão”, comparados com recém-nascidos não medicados.

Satisfação com o parto
Os prestadores de cuidados obstétricos assumiram que o controlo da dor é a primeira preocupação da mulher em trabalho de parto e que o efectivo alívio da dor assegurará uma experiência de parto positiva. Na verdade, há evidências do contrário. Diversos estudos demonstraram que as mulheres com trabalhos de parto não medicalizados são as que manifestam maior satisfação face à sua experiência de parto no momento do nascimento, às seis semanas, e um ano depois. No Reino Unido, em resultado de um levantamento feito entre 1,000 mulheres, aquelas que usaram epidurais referiram os níveis mais elevados de alívio da dor, mas os mais baixos níveis de satisfação com o parto, provavelmente devido aos elevados índices de intervenção.Por fim, é de destacar o facto de as preferências dos prestadores de cuidados de saúde poderem ditar em larga medida o uso de epidurais e de outros procedimentos médicos nas parturientes. Um estudo revelou que as mulheres seguidas por médicos de família, com baixas médias de uso de epidurais, tinham menores probabilidades de vir a ser monitorizadas, de vir a receber pitocina, de sofrerem cesariana e de terem os seus bebés internados numa unidade de cuidados especiais.

Conclusão
As epidurais apresentam possíveis benefícios mas também riscos significativos tanto para a mãe em trabalho de parto, como para o seu bebé. Estes riscos estão bem documentados na literatura médica, mas podem não ser revelados à parturiente. As mulheres que desejem evitar o uso de epidurais são aconselhadas a escolher prestadores de cuidados e modelos de assistência que promovam, apoiem e compreendam os princípios e a prática do parto natural e respeitado.

Sem comentários: